A Anvisa confirmou que, em 2012, só 13 alimentos foram monitorados, mas informou que a tendência é de expansão do número de culturas. O enfoque do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, explicou, são os itens mais consumidos pela população e importantes na cesta básica.
Segundo a Anvisa, o milho está sendo monitorado desde 2012 na forma de fubá, e o trigo passou a ser monitorado na forma de farinha desde 2013, mas o resultado ainda não foi divulgado.
Registro não tem prazo de validade
A falta de fiscalização de agrotóxicos faz parte da série “No país do faz de conta”, iniciada no domingo pelo jornal O Globo. Hoje, 434 ingredientes ativos e 2.400 formulações de agrotóxicos estão registrados nos ministérios da Saúde, da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente e são permitidos.
Dos 50 mais utilizados nas lavouras, 22 são proibidos na União Europeia. Mato Grosso é o maior consumidor, com quase 20%, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O contrabando, sobretudo via Paraguai e Uruguai, de produtos de origem chinesa, sem controle dos aditivos, representa outro problema. E o uso ilegal de agrotóxicos preocupa. O DTT, proibido em todo o mundo, foi achado em 2013 na Amazônia, usado por empresas, segundo o Ibama, para acelerar a devastação de áreas.
Sobre os 22 defensivos proibidos, os técnicos da Anvisa explicam que, no país, o registro de agrotóxico não tem prazo de validade. Uma vez concedido, só pode ser retirado ou alterado após reavaliação que mostre mudança no perfil de segurança do produto. A agência iniciou processo de reavaliação em 2008 que resultou, até agora, no banimento de quatro produtos e no reenquadramento de dois.
O custo dos agrotóxicos à saúde é grande. Segundo o professor Fernando Carneiro, da Universidade Brasília, a cada US$ 1 gasto em agrotóxico, há um custo de US$ 1,28 em atendimento ao intoxicado.
– A intoxicação aguda afeta o trabalhador rural e o da fábrica. A crônica atinge o consumidor, que fica mais exposto a doenças como câncer e alterações metabólicas. O Mapa e as secretarias de agricultura têm dinheiro para monitorar e vigiar gado por causa da exportação. Quando se fala em agrotóxicos, não há estrutura nem fiscais.
Para a professora Karen Friedrich, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fiocruz, a fiscalização na carne que chega aos lares deveria ser iniciada o quanto antes:
– A contaminação deve ocorrer em industrializados, como molho de tomate e suco em caixa.
Karen diz que é preciso que os municípios e estados atuem onde ocorre a contaminação e que falta investimento para ampliar a análise, embora a Anvisa “faça milagre com o que dispõe”.
Para os trabalhadores rurais, o cenário de fiscalização também é de restrições. Cerca de um quarto das fazendas recenseadas no país em 2006, ou 1.376.217, declaravam usar agrotóxicos.
Segundo a Secretaria de Agricultura do Estado do Rio, no ano passado foram autuadas 420 das 680 propriedades rurais fluminenses por irregularidades envolvendo agrotóxicos. Joel Naegele, vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, critica:
– Num país onde o clima favorece parasitas e pragas danosas, não há fiscalização. Há 60 anos acompanho a agricultura e é tudo muito mal feito, papo-furado, ilusões. Se dependermos da ação do governo, estamos num mato sem cachorro.
Para governo, lei é rígida e moderna
O coordenador geral de agrotóxicos e afins do Mapa, Júlio Sérgio Brito, assegura que o sistema de controle é tão avançado quanto os dos principais países do mundo. Segundo Brito, a legislação é “rígida, moderna e profunda”. Para ser aprovado para uso agrícola, explica, o produto é avaliado sob os pontos de vista agronômico, de saúde e ambiental.
Eloisa Dutra Caldas, professora de Toxicologia da UnB, diz que o problema está no fato de haver resíduos de agrotóxicos em produtos para os quais seu uso não está autorizado:
– Cerca de 50% das mais de 14 mil amostras analisadas por Anvisa e Mapa até 2010 continham resíduos de pesticidas. Este percentual não é muito diferente do encontrado no resto do mundo.
Henrique Mazotini, presidente da Associação dos Distribuidores de Insumos Agropecuários (Andav), no entanto, reconhece que há desvios:
– Aqui falta gente e infraestrutura. Além disso, o Brasil sucateou sua extensão rural e falta orientação técnica aos produtores.
Frequentadores da feira livre da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, se mostram preocupados. O aposentado José Barbosa gostaria de saber quais agrotóxicos incidem sobre os alimentos:
– Deveria haver mais informações sobre a produção. Principalmente no caso do morango, que é uma fruta mais sensível, com uma casquinha fina, que absorve muita coisa.
A indústria de defensivos rebate o argumento de que há risco à saúde. O agrônomo Guilherme Guimarães, da Associação Nacional de Defesa Vegetal, diz que a segurança alimentar do consumidor é testada pelos órgãos que liberam os produtos.
Quanto ao fato de que o Brasil ainda tem agrotóxicos já banidos no exterior, ele diz que isso se deve ao clima e a adversidades.
O Ibama diz que aplicou R$ 14,5 milhões em multa em 2013, a maior parte na apreensão de produtos ilegais importados.
Por Andrea Freitas, Clarice Spitz e Eliane Oliveira, O Globo