Mais um Plano Diretor
Carlos Batinga
É unanimidade, em toda sociedade organizada, a necessidade de planejamento urbano nas cidades, para que possa existir qualidade de vida. Essa percepção bastante discutida no Congresso Nacional culminou com a aprovação do Estatuto das Cidades, a Lei Federal Nº 10.257/01. Muito bem fundamentada e elaborada com ampla participação dos mais diversos setores da comunidade, essa lei instituiu as diretrizes gerais da política urbana e obrigou a elaboração dos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes.
Infelizmente, em grande parte das localidades, principalmente nas menores, esse instrumento em nada modificou o comportamento dos gestores. O que se tem visto é a manutenção das tradicionais práticas do improviso e o descumprimento de mais uma lei, contando para isto com a omissão das Câmaras Municipais – na maioria dos casos, os vereadores têm aprovado a matéria sem, sequer, conhecer seu conteúdo.
Outro agravante que deve ser considerado é que esses planos foram elaborados no limite do prazo determinado pela lei federal. Por isso, e, devido à baixa capacidade técnica de planejamento e gestão dos municípios, foi necessário que os governos municipais apelassem para empresas de consultoria, que também não tiveram tempo de conhecer a realidade local, nem promover o necessário debate com a sociedade, nem com as equipes da prefeitura, além de sofrerem grande influência da especulação imobiliária.
Assim, poucos resultados podem ser esperados como legado de um plano diretor e seu arcabouço jurídico e legal. Elaborados dessa forma, muitos tiveram como destino o esquecimento em alguma prateleira ou gaveta de uma repartição pública qualquer, ou simplesmente foram usados apenas para atender às demandas dos especuladores urbanos.
Mesmo nos projetos mais bem elaborados, são poucas as chances de resultado positivo, se o plano diretor não estiver calcado em uma estrutura eficiente de gestão, que possa implementar as diretrizes propostas, com o devido monitoramento e as atualizações que sempre se farão necessárias, agravados pela grande quantidade de funções e cargos comissionados, ocupados sem nenhum critério de mérito técnico e, sim, por acomodação política ou apadrinhamento.
A preocupação com o sucesso do trabalho normalmente não existe na visão dos executivos municipais, que miram sempre suas prioridades na próxima eleição e nunca no crescimento ordenado e sustentável do município que administram.
Estamos agora em um novo processo: está correndo o prazo previsto na Lei Nº 12.587/12, a chamada Lei da Mobilidade Urbana, que prioriza os investimentos públicos para os modos não motorizados e o transporte coletivo no uso das vias. O mês de abril de 2015 é a data limite para que os quase 1.600 municípios brasileiros com população superior a 20 mil habitantes elaborem seus planos de mobilidade urbana para poderem acessar os recursos oriundos do governo federal.
As prefeituras não dispõem de pessoal técnico qualificado para suprir essa demanda nem vontade política ou consciência da necessidade de atender com eficiência mais essa exigência legal de suma importância para o bom funcionamento das cidades. Ou seja: logo mais vamos presenciar novamente uma enxurrada de empresas de consultoria elaborando projetos de qualidade duvidosa, tendo como único objetivo cumprir o prazo previsto na lei, porém pela forma como serão desenvolvidos, sem qualquer chance de trazer melhorias para a mobilidade urbana.
Estamos, sem dúvida, na iminência de mais um grande desafio para a gestão municipal, que só poderá ser superado ocorrendo, da parte do governo federal, uma forte alocação de recursos para capacitação e assistência técnica, visando à estruturação dos órgãos locais responsáveis pela gestão da mobilidade urbana.
Carlos Batinga
Engenheiro civil especialista em transportes e membro do Conselho da ANTP – Associação Nacional de Transporte Público