Agroindústria é disparado o maior sorvedouro de água doce do planeta. O uso irracional do recurso ajuda a alimentar a crise mundial de água

Para produzir um quilo de carne, o consumo de água é de 15 mil litros

RIO – A cada segundo, 100 mil litros de água são consumidos pelo setor industrial brasileiro. Só que é o agronegócio, e não a indústria, o maior sorvedouro de água doce do planeta. O setor consome 70% desse recurso, finito e vulnerável. O restante é utilizado pela indústria (20%) e para o consumo humano (10%). Detalhe: o desperdício e o uso irracional são uma constante nesses três setores, tanto no Brasil quanto no mundo.

O centro de produção de hortaliças de Bonfim, distrito de Corrêa, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, é uma espécie de microcosmos de uma situação corriqueira no Brasil. O país ostenta, simultaneamente, os títulos de maior exportador de carne de frango do mundo e de segundo produtor mundial de soja.

Se as 700 famílias produtoras de Bonfim tivessem adotado o sistema de irrigação sugerido pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, o consumo de água seria quatro vezes menor, representando assim uma economia diária de 10,5 milhões de litros. Ou seja, 315 milhões de litros de água todos os meses deixariam de ser desperdiçados.

— A água é vital para a produção agrícola. É fundamental para a sua sobrevivência. No caso da região Serrana, a composição das hortaliças significa a comercialização de um produto com 70% a 90% de água — calcula o técnico agropecuário da Emater André Luis Costa de Azevedo, chamando a atenção para a importância da irrigação. — Não basta molhar, é preciso saber a hora correta e a quantidade certa de água.

DESPERDÍCIO E USO IRRACIONAL

Essencial para a conservação da vida, a manutenção do desenvolvimento e o meio ambiente, a combinação de desperdício e uso irracional é muitas vezes ignorada especialmente em países como o Brasil, onde, ironicamente, o maior dos problemas é justamente a abundância de água.

E apesar do excesso do recurso, mesmo aqui o desperdício tem seu preço. Os pequenos produtores de Bonfim viram de perto, recentemente, os efeitos da estiagem e a queda do volume de água nos mananciais do município, localizado no entorno do Parque Nacional da Serra dos Órgãos.

O consumo médio de água de cada uma das propriedades de Bonfim varia de 10 mil a 32 mil litros de água por dia. Abaixo, portanto, do limite de 34,5 mil litros de água diários estipulado pela Lei de Outorga da Água. Como estão abaixo desse patamar, os produtores da região são isentos de cobrança pelo uso da água. Esta é uma das grandes dificuldades que os técnicos do Emater enfrentam, sempre que tentam convencer os pequenos produtores da região da importância de investir em equipamentos de irrigação eficientes.

— Apesar do grau de consciência ambiental ter aumentado nos últimos anos, diria que, de um modo geral, ele é ainda muito baixo. Grande é o desperdício no campo. Menos de 10% da agricultura no país é irrigada. Imagina se o Brasil fosse um país que não pudesse contar com a água da chuva, haveria um colapso — avalia o coordenador do Programa de Água para a Vida, da ONG WWF-Brasil, Glauco Kimura.

MÉTODOS OBSOLETOS

Vazamentos e métodos obsoletos drenam, segundo estatísticas oficiais, 50% da água usada para beber e 60% da água de irrigação. Hoje já existe tecnologia de irrigação disponível no mercado capaz de reduzir o desperdício em torno de 50% na agricultura e podendo chegar a 90% no setor industrial.

A Embrapa Instrumentação Agropecuária vem desenvolvendo sensores de precisão para a irrigação. O monitor permite a leitura imediata ou o armazenamento de dados por períodos de até um mês. E pode ajudar a determinar a umidade ideal no solo para a colheira, por exemplo, da cana-de-açúcar. Outro equipamento, o Irrigás, informa o momento certo de irrigar. Trata-se de uma vela de filtro de cerâmica, que fica conectada através de um tubo flexível a uma cuba de seringa transparente. Durante a medição, a cuba é emborcada em um frasco de água. A passagem do líquido para dentro da cuba indica que os poros da vela estão abertos e a umidade do solo está baixa: é a hora de irrigar. O equipamento custa menos de R$ 5,00.

— Só que as empresas precisam calcular sua pegada hídrica para tomar a decisão estratégica de reduzir o consumo de água. Uma xícara de café, por exemplo, consome 140 litros de água, se calcularmos o consumo do em toda a cadeia produtiva, do campo, onde estão os cafezais, à mesa do consumidor. Precisamos fazer um café que consuma menos água. Isso é responsabilidade ambiental — comenta Kimura.

O Brasil está no topo da lista de países consumidores de água: 356 bilhões de metros cúbicos anuais. O país ocupa a quarta posição, atrás da China, Índia e Estados Unidos. O brasileiro consome diariamente 200 litros/ dia em banho, bebidas, cozinha, lavagem de carros, calçados e pisos, além da rega de jardins e plantações de tamanhos variados. Pelos cálculos da instituição, cada pessoa necessita de 3,3 metros cúbicos per capita mês, ou seja, 110 litros de água por dia para atender as necessidade de consumo e higiene.

O setor industrial também já começa a fazer o dever de casa para reduzir sua pegada hídrica. O grupo Gerdau, líder na produção de aços longos nas Américas e uma das maiores fornecedoras de aços longos especiais no mundo, é um exemplo. O grupo alcançou a marca global de dois trilhões de litros de água reaproveitados no ano passado. É um volume que equivale ao abastecimento de um ano do estado de São Paulo, considerando-se um consumo médio por pessoa de 150 litros diários. A população do estado mais populoso do país é de 41 milhões de pessoas.

Fonte: O Globo

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